O Que é a Normalidade no Ensino em Portugal?

04-11-2014 17:38

 

Nos últimos tempos foi-nos dado a conhecer um novo significado para a palavra normalidade, consequência de um conjunto de medidas proposto e concretizado pelo Ministério da Educação. O que quero dizer com isto? Passo a explicar.


Na Educação em geral.

 

Este ano o Ministério da Educação testou uma nova forma para colocar professores nas escolas. Para tal, foi criado um programa informático apoiado numa fórmula para seriação dos candidatos absolutamente errada. Essa fórmula, “matemática”, somava dois valores em escalas distintas (a palavra matemática está entre aspas porque nenhum matemático cometeria um erro, que considero básico e grosseiro, como este). É mais ou menos como ir à mercearia comprar três batatas e cinco cenouras e o merceeiro cobrar-nos oito batatas cenouras! Se não deram conta do erro é grave, tendo em conta que se trata de um erro de palmatória. Se deram conta e não fizeram nada atempadamente é ainda mais grave, pois causou toda a trapalhada que se sabe. Tudo normal!

 

Com base nesse erro foram colocados centenas de professores. Alguns dias depois foram despedidos, revelando uma total desconsideração por esses profissionais, acentuada pelo episódio do “mantêm-se versus manter-se-ão” na Assembleia da República. Além do inevitável choque de serem dispensados, não podemos esquecer algumas questões mais práticas: muitos mudaram completamente a sua vida familiar, levando consigo cônjuges e filhos; uma grande maioria já tinha alugado casa e pagado pelo menos um mês de caução. Claro que alguns desses professores foram colocados com base nesse erro e em falsas declarações, mas para os que fizeram tudo correctamente não deixa de ser uma tremenda injustiça. Milhares de alunos estiveram sem aulas durante mais de um mês, aliás, no momento em que escrevo estas linhas, ainda há alunos sem aulas. O ano lectivo que deveria começar tranquilamente a 15 de Setembro, não começou. Os professores que deveriam estar colocados nas escolas a 1 de Setembro para prepararem convenientemente o ano lectivo, não estavam. Mais uma vez, tudo normal!

 

Na Matemática em particular.

 

Em Abril do ano passado, os professores de Matemática foram surpreendidos com a revogação do Programa de Matemática do Ensino Básico (PMEB). Esse programa foi substituído por outro, num processo que eu classifico de precipitado e prepotente. O PMEB foi implementado em 2007 depois um largo processo de consulta e discussão entre os vários agentes educativos. Estava apoiado numa vasta investigação em Educação Matemática e a sua implementação estava a ser bem-sucedida, como se pode comprovar pelos recentes resultados positivos dos nossos alunos no PISA 2012. Convém aqui referir que o actual Ministro da Educação considerava o PISA "o único instrumento viável para avaliação do nosso sistema". Depois da divulgação do relatório, que contraria a sua classificação de “facilitista” ao nosso Ensino, não sei se ainda considera.

 

Ao contrário do processo de construção e implementação do PMEB, a “proposta” do novo PMEB não resultou de uma consulta alargada (contando os nomes constantes nos documentos, estiveram envolvidas catorze pessoas no programa do básico e vinte e uma no do secundário, entre autores, coordenados e consultores. Pelo que sei, não houve mais envolvidos, o que me parece bastante limitado) e o espaço temporal dado para a sua discussão pública foi curto, muito curto. Igual destino teve o Programa de Matemática do Ensino Secundário (PMES), ainda em vigor. A “proposta” do novo PMES foi tornada pública em meados do primeiro período do ano lectivo 2013 – 2014, num processo em tudo idêntico ao do novo PMEB. A discussão pública limitou-se temporalmente a cerca de um mês, o que não deixou margem quase nenhuma para a apresentação de contribuições para possíveis melhorias. A aprovação dessa “proposta” ocorreu já durante o ano de 2014 e o novo PMES entrará em vigor no próximo ano lectivo. Como cereja no topo do bolo, os alunos que em Setembro do próximo ano irão frequentar o 10.º ano, vão trabalhar com o novo PMES, quando este ano (no 9.º ano) não estão a trabalhar com o novo PMEB. Qualquer pessoa sensata perceberá que há algo de errado aqui. Como é possível isto acontecer? Não seria melhor adiar por um ano a sua entrada em vigor, de modo a haver continuidade na aplicação dos novos programas? Por que razão já em 2015 – 2016 e não apenas em 2016 – 2017, como seria mais lógico? Alguém quer adivinhar a razão? Nota-se uma certa urgência por parte do ministério em concretizar as suas medidas, sem pensar nas consequências. Parece que para o Ministério da Educação os alunos adaptar-se-ão a uma realidade completamente nova sem dificuldades! Devem ter reparado que neste parágrafo palavra proposta aparece entre aspas. A razão é simples: na verdade os documentos apresentados e colocados à discussão não foram propostas, foram os programas quase nas suas versões finais – é o que normalmente acontece quando não se pretende discutir um assunto!

 

A mudança, em meu entender, foi para pior. Os programas aprovados são essencialmente duas extensas listas de conteúdos a leccionar. Ao contrário do que se passava com os antigos programas, não contêm linhas orientadoras para os professores, que lhes permitam saber a ordem que devem seguir de modo a poderem desenvolver eficazmente o seu trabalho. Segundo os autores, os professores têm a liberdade de escolher a ordem que acharem conveniente para leccionar os conteúdos constantes dos programas. Em minha opinião não são os professores que devem ordenar os conteúdos, é o programa que deve fornecer essa ordem. Em suma, tudo normal!

 

Já este ano lectivo fomos novamente surpreendidos com a notícia da não realização de testes intermédios, como foi habitual durante os últimos dez anos. Não podemos esquecer que o Exame Nacional de Matemática A de 2015 envolverá conteúdos de todo o secundário. É no mínimo discutível esta opção. Poderão dizer: muitas escolas nem usavam os testes intermédios como instrumento de avaliação. É verdade, contudo, também não deixa de ser verdade que estes testes serviam de barómetro para o que poderia aparecer no exame nacional. Nesse sentido, eram uma preciosa ajuda para alunos e professores. Novamente, a normalidade impera!  

 

Poderia ainda falar da quantidade de exames nacionais que um aluno tem de realizar durante todo o seu percurso escolar. Só na disciplina de Matemática são quatro, um no final de cada ciclo de estudos. Não conheço nenhum outro país europeu em que os alunos sejam sujeitos a este número, que eu considero exagerado, de exames nacionais. Em Portugal é normal!

 

Quando foi anunciado o nome do actual Ministro da Educação, confesso que achei que poderia fazer um bom trabalho, apesar de na altura já ter lido o “O Eduquês em Discurso Directo” e não de concordar com muitas das ideias lá expressas. Acreditei que pudesse ser um ministro dialogante e que procurasse consensos. Estava errado.

 

A noção de normalidade do actual Ministro da Educação não vai ao encontro da minha, assim como a minha noção de competência não se adequa à actuação desta equipa ministerial. Chegamos a um ponto em que é urgente fazer alguma coisa para colocar o ensino em Portugal no caminho certo. O verbo neste momento é reconstruir. Reconstruir o que foi implodido!

 

José Carlos Pereira